
A prece como instrumento da ciência? As rezadeiras nem acreditaram quando a universidade convidou. "Nós sentimos uma alegria muito grande, porque já realizávamos trabalho semelhante em nossa casa. Então, saber que isso seria testado e avaliado foi para nós um grande prazer", diz a rezadeira Erly Henriques.
O poder da oração investigado no laboratório. A Universidade de Brasília (UnB) quis saber se as células do sangue que protegem nosso organismo reagem a uma prece. Será que alguém que reza por nós pode mesmo nos ajudar? No comando da pesquisa, um dos mais respeitados cientistas do Departamento de Imunologia Celular da UnB, Carlos Eduardo Tosta. Um pesquisador renomado apostando a sua própria reputação. "Nós vamos começar a tratar de um tema muito misterioso. Um tema sobre o qual existe uma reação grande da comunidade científica. Nós não vamos ter nenhum tipo de apoio financeiro de órgão de fomento de pesquisa", diz ele.
As rezadeiras convidadas pela UnB ficavam em uma das pontas da pesquisa, mas bem longe do laboratório, e só precisavam fazer o que estavam acostumadas: rezar. Na outra ponta, 52 estudantes de medicina. Eles foram divididos em 26 pares. Sempre um dos voluntários de cada par tinha uma ficha enviada para quem fazia a prece; o outro não. E sem que os voluntários soubessem, as rezadeiras faziam a oração.
"Nós dávamos para cada um deles a fotografia de um dos dois. Eles ficavam no compromisso de fazer uma prece diariamente para aquela pessoa", conta Tosta.
"Isso era comunicado aos diversos participantes do grupo e nós fazíamos prece durante 15 dias para aquelas pessoas designadas. Não era difícil. Acho que era mais fácil ainda porque havia uma fotografia. Nós nos ligávamos àquela figura quase como se tivéssemos um contato com um filho ou um parente, e os laços de afinidade, de vibrações, de sentimentos, se estabeleciam com muita facilidade", conta Erly.
Os pesquisadores monitoraram o funcionamento da fagocitose, o processo de defesa das células do sangue. Células especializadas do sangue têm a capacidade de detectar corpos estranhos ao organismo. Durante o processo de fagocitose, estas células reconhecem bactérias, tumores, e lançam prolongamentos, envolvendo os invasores, para depois destruí-los, como se os comessem.
O que será que a prece faria com a fagocitose: iria aumentar ou diminuir? A curiosidade estimulou os voluntários durante três anos. "Todo mundo sabe que dentro das religiões a prece sempre ajuda qualquer doente no seu restabelecimento. Mas eu não tinha opinião e entrei para ver", conta Márcia Schelb, que foi alvo de prece sem saber.
A pesquisa obedeceu aos métodos mais rigorosos de investigação: sigilo, exames periódicos dos elementos do sangue dos dois grupos de alunos, alternância de voluntários, sempre comparando os que recebiam e os que não recebiam a prece. Mesmo que não quisessem, os estudantes foram, aos poucos, apostando na hipótese de que a oração iria aumentar a fagocitose.
"Dizem que o cientista tem que ser imparcial, mas eu acho que isso não é possível. Eu acreditava que aumentaria sim, mas não foi isso que a gente encontrou", diz a voluntária Patrícia Taíra.
O resultado não poderia ser mais frustrante: a fagocitose não aumentou com a prece. No grupo que não recebeu as orações ela até aumentou um pouco, às vezes. Outras vezes, diminuiu. Mas quando examinaram melhor o comportamento da fagocitose no grupo que recebeu as preces, os pesquisadores descobriram o fundamental: a defesa do organismo permaneceu o tempo todo estável, sem oscilações e plenamente equilibrada. Em medicina, saúde e equilíbrio são conceitos que se misturam.
"Se a prece equilibrou a fagocitose, que é um mecanismo muito importante de defesa, ela atuou de maneira positiva", avalia Tosta.
Se tivesse aumentado demais, a fagocitose poderia até mesmo causar infecção. O equilíbrio manteve os voluntários sempre com a saúde perfeita. "Houve a confirmação deste mesmo fenômeno, que é um dado ainda inédito. O objetivo do nosso estudo não é explicar, nosso nível de ambição não é tão elevado assim. Nós nos contentamos em demonstrar o efeito. Como ele se dá é uma coisa muito misteriosa, que nós não temos condições de avaliar", completa Tosta.
A pesquisa deixou claro: quem recebeu a prece não teve a saúde ameaçada. Na religião, as certezas são confirmadas pela fé. E, portanto, já existem de antemão. "Em nenhum instante nós tivemos dúvida de que daria certo, sempre acreditamos nisso", afirma Erly.
Mas os dogmas e as verdades definitivas não servem para a ciência. Justamente por isso, num laboratório, onde o impossível e o improvável são desmentidos a toda hora pelo engenho e pela curiosidade, não há lugar para preconceitos.
"A nossa obrigação é usar a metodologia científica mais rigorosa, mais sólida, para colocar em teste esses aspectos pouco convencionais, com a mente completamente aberta", conclui Tosta.